quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Os Jogos São Vorazes, Mas São Predadores? Parte 2. Ou: O Autoritarismo "Do Bem" da Ancine

Acabo de ler no Estadão que a Ancine vai realmente impor um limite ao número de salas de cinema que um mesmo filme pode ocupar no Brasil. 

Sou apaixonado por cinema, por isso minha indignação não podia ser maior!

Mas claro, tudo vem com a embalado como "solução autorreguladora" do mercado. Uma Ova! Segundo se lê, a decisão foi tomada pela Ancine em conjunto "com uma câmara técnica formada por profissionais da indústria brasileira" - que me cheira a uma patota pedindo incentivo e proteção estatais -, com o intuito de corrigir "deficiências mercadológicas encontradas pela entidade". De acordo com a agência reguladora, a concentração das exibições em salas de cinema em um mesmo título "tende a prejudicar a atividade de exibição como um todo e constituir padronização e simplificação indesejáveis na fruição de bens culturais".

Ainda que eu concorde plenamente com a entidade e prefira uma maior diversidade de títulos sendo exibidos nas salas de cinema e que a concentração das sessões em um mesmo título seja realmente indesejável à cultura do país, porque eu, ou a Ancine, devamos ter o poder de enfiar goela abaixo dos exibidores o que eles podem ou não fazer? Só porque é "do bem", porque é "bom", é em prol do "belo e justo"? 

Ora bolas, mais "do bem", "bom, belo e justo" que limitar através da coerção estatal a exibição de um determinado filme  não é dar a liberdade para que as pessoas façam o que bem entender com seus negócios? Afinal, um dos ideais mais caros dessa gente não é a luta em prol da liberdade? Ou, pra essa gente, liberdade é só a liberdade de fazer o que eles querem que você faça?

O Brasil precisa urgentemente aprender uma coisa: não é porque determinada ação é benéfica e desejável que o Estado deva ter o poder de coagir as pessoas a tomá-la. Ainda que a maior diversidade de filmes nas salas de cinema seja benéfica e desejável, e, de fato, são, o Estado não deveria ter o direito de coagir as empresas a tanto. Fazer isso é puro autoritarismo. Até mesmo porque salas de cinemas não são concessões públicas. 

Já disse antes e repito: antes de serem bens culturais, filmes e salas de cinema são bens privados, devendo servir antes de tudo os seus respectivos donos (leia-se gerar riqueza/lucro). Por extensão e necessidade (especialmente em um mercado altamente competitivo), devem, sim, servir da melhor maneira possível os seus consumidores. 

Além disso, a Ancine e a tal câmara técnica podem entender tudo de cinema, mas não entendem patavinas de mercado. A limitação na exibição dos blockbusters (que só são blockbuster porque muitas pessoas desejam vê-los) pode até mesmo prejudicar a diversidade nos cinemas. "Como assim?" Bem, obviamente, as empresas irão perder receita ao ter de aderir à regra em favor "da diversidade e do bem cultural do Brasil", ou, e isso é apenas lógico, já teriam ampliado a variedade da sua exibição por conta própria, né! Receita essa que, suponho eu, terá de ser compensada de alguma outra maneira. De qual maneira? Aumentando a concentração (mas ainda dentro da regra) dos filmes médios, diminuindo assim, a sacrossanta pluralidade.

Se antes uma sala de cinema ou multiplex, por causa do dinheiro arrecadado com essas produções gigantescas podia se dar ao luxo de "perder" receita nos outros períodos investimento em filmes menores, independentes, experimentais, extremamente autorais, etc., agora babau! Os empresários terão de aumentar a concentração de filmes de atração mediana ou um pouco acima disso, como forma de tentar recuperar a receita perdida com os arrasa quarteirões. Então, se antes uma meia dúzia de filmes "monopolizava" as salas durante intervalos curtos de tempo, a partir de janeiro de 2015 um número maior de películas vai dominar a grade - ainda que cada filme individualmente domine menos - durante um período maior de tempo.

Outra medida possível para compensar a perda de receita seria o bom e velho aumento de preços, quer seja da pipoca (que eu não gosto) ou do refrigerante (que eu gosto), quer seja do ingresso. E isso sem dizer que as duas medidas não possam ser aplicadas ao mesmo tempo. Olha que maravilha!

Enfim, o autoritarismo do bem da Ancine e da tal câmara técnica tem tudo pra ser um tiro nos próprios pés, além de prejudicar, principalmente, os espectadores e apaixonados por cinema, como eu.

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